“Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito.
É preciso também que haja silêncio dentro da alma.” (Alberto Caeiro)




16.10.07

MORTE
(em um velório. minha primeira vez)

viver é aproximar-se cada dia da morte.

instante pleno. completo.
nada por ser e tudo o foi.
o feito e o não feito estão.

existiremos ainda.
enquanto tivermos descendentes que se lembrem e contem.
existir na lembrança do outro. na fabulação.
não existir sozinho.

o corpo jaz.

olho pela primeira vez um corpo sem vida.
parece ela poderia se levantar a qualquer momento.
tudo como antes – pernas, músculos, tendões, cérebro.
quase posso ver o véu mover-se ao ritmo de sua respiração.

uma célula, cinzas.

filhos ao lado do caixão.
dor, alívio, culpa. um susto.
cada qual a seu modo.

flores feias, mal-cheirosas.
há gérberas vermelhas – minhas preferidas
aqui feias.
até girassóis.
feios.

inversão do ciclo.
essa mãe ainda filha.

a senhora idosa, desamparada, entra:
_ filha...

chama.
(eu jamais ouvira mais triste)
não há resposta ao chamado. e jamais haverá.

Um comentário:

Carlos Canhameiro disse...

"depois da morte, inda teremos filhos!"