“Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito.
É preciso também que haja silêncio dentro da alma.” (Alberto Caeiro)




30.10.08

MAKING A WISH

"A verdade só faz as coisas tais como são, e a verossimilhança as faz como devem ser" (Rapin)

Se pudesse escolher uma cena de filme para a minha vida nessa semana, escolheria uma bem clichê: acordar e descobrir que tudo não passou de um sonho – e mais que isso, que nos foi dada uma segunda chance e podemos voltar atrás para fazer novas escolhas!

CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE

“Quando abordamos o conhecimento direto das pessoas, um dos dados fundamentais do problema é o contraste entre a continuidade relativa da percepção física (em que fundamos nosso conhecimento) e a descontinuidade da percepção, digamos, espiritual”. (Antônio Cândido)


Ou seja, não somos nunca capazes de abranger a personalidade do outro – descontinuidade – com a mesma precisão com a qual somos capazes de apreender sua configuração externa – continuidade.
Nós seres somos misteriosos e inesperados, não respondemos a lógica e verossimilhança. Há sempre algo de insólito nas pessoas, algo que nos surpreende e, algumas vezes, aterroriza.
Não compreendemos nossa própria lógica e não sabemos como agiremos em cada uma das situações.
A vida é, sim, cheia de surpresas e incoerências, de verdades dolorosas, mas, algumas vezes, libertadoras.

VEROSSIMILHANÇA E NECESSIDADE

“Tanto na representação de caracteres como no entrecho das ações, importa procurar sempre a verossimilhança e a necessidade; por isso, as palavras e os atos de uma personagem devem justificar-se”. (Aristóteles – A Poética)

ou

“verossimilhança e conveniência confundem-se sob um mesmo critério, isto é, ‘tudo está de acordo com a opinião do público’. Esta opinião, real ou suposta, é bem precisamente o que se denominaria hoje uma ideologia, isto é, um corpo de máximas e de preconceitos”. (Genette)

O fato é que as personagens de ficção, por mais esféricas e complexas psicologicamente que se apresentem, vão sempre estar condicionadas a essas duas máximas – verossimilhança e necessidade.
As personagens devem manter uma lógica para que acreditemos em sua veracidade e para que nos envolvamos com sua vida e seus problemas.
Uma incoerência de personalidade pode nos afastar automaticamente da ficção e pode nos fazer questiona-la.
A avaliação de coerência está baseada tanto na lógica interna da personagem quanto em um consenso social – o socialmente possível e aceito.
A questão é: por que somos tão exigentes com a ficção se a vida “real” não segue a nenhuma lei de verossimilhança?