“Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito.
É preciso também que haja silêncio dentro da alma.” (Alberto Caeiro)




13.10.07

NASCIMENTO
(na maternidade. minha primeira vez)

um ser em seus primeiros dez minutos de vida.
roxo. enrrugado. olhos cerrados. frio.

respirar pela primeira vez. enxergar pela primeira vez.
acostumar-se as funções fisiológicas
primeira mamada, primeiro cocô.
processos dolorosos e traumáticos do quais nos esquecemos (?).

aprender dor e a lidar com ela – até sem chorar.
cólica causada pelo leite – ou qualquer outro alimento
– ainda vai ser "só" uma cólica.
dores piores – as que não do corpo.

descobrir meu corpo.
pescoço sustenta cabeça – mexê-lo segundo minha vontade.
torcicolo.

mão – pé.
extremidades deliciosamente – mordidas babadas.
não alcançá-las mais.

cabeça pensante.
como pensar sem as palavras?
pensamento em estado puro.
sentir dor, fome, sono – sem saber que há outros e que podem sentir como eu (?)
cada um dos sentires tem seu nome (?)
– eu tenho um nome.
mamãe tem nome. papai também.

babódromo.
tantas pessoas vêm me visitar. ver-me pela primeira vez.
quantas ainda estarão em meus aniversários futuros?
através do vidro, tecem comentários absurdos
com a cara de quem eu nasci? com a minha, ora essa!
que por hora ainda confunde-se a outras partes do corpo.

saber-se único.
ninguém mais é igual a mim e, ao mesmo tempo

cresço rápido.
esqueço chorar.
esqueço dormir.
esqueço comer.

esqueço as vozes dos meus pais
o som mais confortável que eu tive.
esqueço precisava deles para tudo.
esqueço noites acordadas.

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se e quando mãe me lembrarei.
primeiros passos, palavras, sonhos, desilusões.

vê-lo crescer e ir embora.
vê-lo se distanciar e vê-lo se/me esquecer.

Um comentário:

Marcio disse...

o tempo nos tornando invisiveis a nós mesmos.